segunda-feira, 25 de abril de 2011

O direito ao delírio




"O tempo zomba dos limites que lhe atribuímos para crer na fantasia que nos obedece; mas o mundo inteiro celebra e teme essa fronteira."

Nós temos o direito de nos perguntar-mos como será o tempo, por mais arbitrário que seja. Embora não possamos advinhar o tempo que está por vir, temos, sim, o direito de imaginar o que queremos que seja. Em 1948 e em 1976 as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade só tem o direito de ver, ouvir e calar.
Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouco?
Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para advinhar um outro mundo possível:



O ar estará livre de todo veneno que não vier dos medos humanos e das humanas paixões;
  nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães;
as pessoas, não serão dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador, nem compradas pelo supermercado e nem olhadas pelo televisor;
 O televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de passar e a máquina de lavar roupa;
   As pessoas trabalharão para viver, ao invés de viver para trabalhar;
Será incorporado aos códigos penais o delito da estupidez cometido por aqueles que vivem para ter e para ganhar, ao invés de viver apenas por viver, como canta o pássaro, sem saber que canta, e como brinca a criança, sem saber que brinca;
 em nenhum país serão presos os jovens que se negarem a prestar serviço militar, mas irão para a cadeia os que desejarem prestá-lo;
Os economistas não chamarão de "nível de vida" ao nível de consumo, nem chamarão de "qualidade de vida" a quantidade de coisas;
 os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostam de ser fervidas vivas;
 os historiadores não acreditarão que os países gostam de ser invadidos;
 os políticos não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas;


Ninguém acreditará que a solenidade é uma virtude, e ninguém levará a sério aquele que não for capaz de deixar de ser sério;
a morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes, e nem por falecimento nem por fortuna o canalha será tranformado em virtuoso cavaleiro;
  ninguém será considerado herói ou pascácio por fazer o que acha justo em lugar de fazer o que mais lhe covém;
 O mundo já não estará mais em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se em falência;
a comida não será uma mercadoria e nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos;
   ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão;

Os meninos de rua não serão tratados como lixo, porque não haverá meninos de rua;
Os meninos ricos não serão tratados como se fossem dinheiro, porque não haverá meninos ricos;

A educação não será um privilégio de quem possa pagá-la;
A política não será o terror de quem não possa comprá-la;

a justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viver separadas, tornarão a unir-se, bem juntinhas, ombro à ombro;
uma mulher, negra, será a presidente do Brasil, e outra mulher, negra será a presidente dos EUA; e uma mulher índia governará a Guatemala e outra o Peru;

na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória;
a Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábulas de Moisés e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo;
 a igreja também ditará outro mandamento, do qual Deus se esqueceu: "Amarás a natureza, da qual fazes parte".
serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma;

Os desesperados serão esperados, e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperaram de tanto esperar e os perdidos de tanto procurar;
  Seremos compatriotas e conteporrâneos de todos os que tenham aspiração por justiça e aspiração de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem se importarem nem um pouco com fronteiras do mapa ou do tempo;
   A perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos deuses; mas neste mundo confuso e fastidioso, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.




FIMU~

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