Nos países latino-americanos, a hegemonia do mercado está rompendo laços da solidariedade e fazendo em pedaços o tecido social comunitário. Que destino tem os joões-ninguém, os donos de nada, em países onde o direito de propriedade já se torna o 'único' direito? E os filhos dos joões ninguém? Muitos deles, cada vez mais numerosos, são compelidos pela fome ao roubo, à mendicidade e à prostituição. A sociedade de consumo os insulta oferecendo o que nega. E eles se lançam aos assaltos, bandos de desesperados unidos pela certeza de que a morte os espera: segundo a UNICEF, em 1995 havia oito milhões de meninos de rua, meninos abandonados, nas grandes cidades latino-americanas. Seguindo a organização Human Rigths Watch, em 2005 os esquadrões parapoliciais assassinavam seis meninos por dia na Colômbia, e no Brasil dois.
Entre uma ponta e outra, o meio. Entre os meninos que vivem prisioneiros da opulência e os que vivem prisioneiros do desamparo, estão aqueles que têm muito mais do que nada, mas muito menos que tudo. Cada vez são menos livres os meninos da classe média. "Que te deixem ser ou não ser, eis a questão", disse Chumy Chúmez, humorista espanhol.
Dia após dia a liberdade desses meninos é confiscada pela sociedade que sacratiza a ordem ao mesmo tempo em que gera desordem. O medo do meio: o piso range sob os pés, já não há garantias, a estabilidade é instável, evaporam-se os empregos, esfurma-se o dinheiro, chegar ao fim do mês é uma façanha. "Bem-vinda classe média", saúda um cartaz na entrada de um dos bairros mais miseráveis de Buenos Aires. A classe média continua vivendo num estado de impostura, fingindo que cumpre as leis e acredita nelas e simulando ter mais do que tem, mas nunca foi tão difícil obter essa abnegada tradição.
Está asfixiada pelas dívidas e paralisada pelo pânico, e no pânico cria seus filhos. Pânico de viver, pânico de empobrecer; pânico de perder o emprego, o carro, a casa, as coisas, pânico de não chegar a ter o que se deve chegar a ter,
No clamor coletivo pela segurança pública ameaçada pelos monstros do delito que espreitam, é a classe média que grita mais alto. Defende a ordem como se fosse sua proprietária, embora seja apenas mais uma inquilina atropelada pelo preço do aluguel e pela ameaça de desejo.
Apanhados nas armadilhas do pânico, os meninos de classe média estão cada vez mais condenados à humilhação da reclusão perpétua. Na cidade do futuro, que já está sendo do presente, os telemeninos, vigiados por babás eletrônicas, contemplarão a rua de alguma janela de suas telecasas: a rua proibida pela violência ou pelo pânico da violência, a rua onde ocorre o sempre perigoso e às vezes prodigioso espetáculo da vida.
FIMU~
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente, mostre sua opinião. Fique à vontade. Críticas ou elogios