quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Curso básico de injustiça

A publicidade manda consumir e a economia o proíbe. As ordens de consumo, obrigatórias para todos, mas impossíveis para a minoria, são convites ao delito. Sobre as contradições de nosso tempo, as páginas policiais dos jornais ensinam mais do que as páginas de informação política e econômica.
   Este mundo, que oferece o banquete a todos e fecha a porta no nariz de tantos, é ao mesmo tempo igualador e desigual: igualador nas idéias e nos costumes que impõe, e desigual nas oportunidades que proporciona.

   A ditadura da sociedade de consumo exerce um totalitarismo simétrico ao de sua irmã gêmea, a ditadura da organização desigual do mundo.
   A maquinaria da igualação compulsiva atua contra a mais bela energia do gênero humano, que se reconhece através de suas diferenças e através delas se vincula. O melhor que o mundo tem, está nos muitos mundos que o mundo contém, as diferentes músicas da vida, suas dores e cores: as mil e uma maneiras de viver e de falar, crer e criar, comer, trabalhar, dançar, brincar, amar sofrer e festejar, que temos coberto ao longo de milhares e milhares de anos.


A igualação, que nos uniformiza e nos apalerma, não pode ser medida. Não há computador capaz de registrar os crimes cotidianos que a indústria da cultura de massas comete contra o arco-íris humano, e o humano direito à identidade. Mas seus demolidores progressos saltam os olhos. O tempo vai-se esvaziando de história e o espaço já não reconhece a assombrosa diversidade de suas partes. Através dos meios massivos de comunicação, os donos do mundo nos comunicam a obrigação que temos todos de nos contemplar num único espelho, que reflete os valores da cultura de consumo.
   Quem não tem, não é: quem não tem carro, não usa sapato de marca ou perfume importado, está fingindo existir. Economia de importação, cultura de impostação: no reino da tolice, estamos todos obrigados a embarcar no cruzeiro do consumo, que sulca as agitadas águas do mercado. A maioria dos navegantes está condenada ao naufrágio, mas a dívida externa vai pagando, por conta de todos, as passagens dos que podem viajar. Os empréstimos, que permitem a uma minoria se empanturrar de coisas inúteis, atuam a serviço do boapintismo de nossas classes médias e da copiandite de nossas classes altas, e a televisão se encarrega de transformar em necessidades reais, aos olhos de todos, as demandas artificiais que o norte do mundo inventa sem descanso e, exitosamente, projeta no sul.

O que acontece com os milhões e milhões de meninos latino-americanos que serão jovens condenados ao desemprego ou aos salários de fome? A publicidade estima a demanda ou, antes, promove a violência? A televisão oferece serviço completo:  não só ensina a confundir qualidade de vida com quantidade de coisas, como, além disso, oferece cursos audiovisuais de violência, que os videogames complementam.

O mesmo sistema que precisa vender cada vez mais, precisa também pagar cada vez menos. Este paradoxo é a mãe de outro paradoxo: o norte do mundo dita ordens de consumo cada vez mais imperiosas, para multiplicar os consumidores, mas em maior grau, multiplicam os delinquentes. Ao apoderar-se dos fetiches que dão existência real  às pessoas, cada assaltante quer ser o que sua vítima é. Armai-vos uns aos outros: hoje em dia, no manicômio das ruas, qualquer um pode morrer a balaços: "o que nasceu para morrer de fome, também nasceu para morrer de indigestão".





FIMU~

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