Em nosso continente, no mundo, o medo, às vezes submerso, às vezes invisível, alimenta e justifica o poder.
E o poder tem raízes mais profundas e estruturas mais duradouras do que os governos que entram e saem no ritmo das eleições democráticas.
Que é o poder? Poder é impunidade.
A impunidade recompensa o delito, induz à sua repetição e faz a sua propaganda: estimula o delinquente e torna contagioso seu exemplo.
E quando o delinquente é o estado, que viola, rouba, tortura e mata, sem prestar contas a ninguém, emite-se desde o topo a luz verde que autoriza a sociedade inteira a violar, roubar, torturar e matar. A mesma ordem, que no andar de baixo usa o espantalho do castigo para assustar; no andar de cima ergue a impunidade como troféu para recompensar o crime.
A democracia paga o preço desses costumes.
É como se qualquer assassino pudesse perguntar, com a arma fumegante na mão:
- Que castigo mereço eu, que matei um, se os generais mataram meio mundo e andam tão faceiros pelas ruas, são heróis nos quartéis e aos domingos, comungam na missa?
A justiça e a memória, são luxos exóticos para poucos. O esquecimento, diz o poder, é o preço da paz, enquanto nos impõe uma paz fundada na aceitação da injustiça como normalidade cotidiana.
Acostumaram-nos ao desprezo pela vida e à proibição de lembrar. Os meios de comunicação e os centros de educação não costumam contribuir muito, digamos, à integração da realidade e sua memória. Cada fato está divorciado do passado dos demais. A cultura de consumo, a cultura de desvinculação, nos adestra a crença de que as coisas ocorrem sem motivo. Incapaz de reconhecer suas origens, o tempo presente projeta o futuro como sua própria repetição, o amanhã é outro nome do hoje: a organização desigual do mundo, que humilha a condição humana, pertence a ordem eterna, e a injustiça é uma fatalidade que estamos obrigados a aceitar,
FIMU~
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